segunda-feira, 24 de março de 2008

PARTE 7 - Eu, o Alfredo e o Teixeira

Minha aventura ia de vento em popa. Quanto mais eu ficava, mais eu gostava de ficar. Ganhava um dinheiro razoável, mas que dava perfeitamente para satisfazer minha necessidade básica, que era me divertir. Depois de algum tempo no restaurante, me meti em outra empreitada: carregar sofás pelas ruas, bairros, estradas e cidades do Estado de Nova York. Arranjei um emprego em uma loja de móveis que tinha quatro ou cinco caminhões exclusivamente para fazer as entregas das mercadorias aos clientes.

Primeiro, trabalhei no warehouse, ou seja, no depósito da empresa que ficava em alguma rua do Queens. Era um tal de trazer e levar sofás, cadeiras e mesas de um lado a outro. Do depósito ao show-room e vice-versa. A maioria dos trabalhadores era formada por americanos, mas havia indianos e alguns brasileiros. Em pouco tempo saí do warehouse para o caminhão. Adorava passar o dia inteiro na rua, mas sentia saudade da camaradagem e da amizade de dois caras do depósito: Alfredo e Teixeira. Brasileiros, cariocas e impagáveis.

O Alfredo, botafoguense roxo, vivia nos Estados Unidos havia um bocado de tempo, tinha uma vida estabilizada, legal e cuidava do depósito. Teixeira era flamenguista doente e um grande frasista. Sempre tinha uma tirada engraçada, mesmo nos momentos difíceis. Estava nos Estados Unidos para se divertir. E se divertia. O Alfredo, não. Era compenetrado no trabalho. No meio de milhares de mercadorias, sabia de cor em que corredor e prateleira estava a armless (poltrona sem braço) bege, modelo Natuzzi3202. Mas havia duas coisas que faziam o Alfredo sofrer muito: as mulheres e a carteira de motorista. A habilitação já era motivo de gozação entre os colegas. Alfredo já tinha tentado mais de uma dezena de vezes o documento, mas sempre era reprovado no exame. Na véspera de mais um exame, Alfredo estava confiante.

Ele: Amanhã vou fazer o teste. Semana que vem quero ver um puto aqui pedir carona pra ir pra casa. Vou dizer bem alto: vai de trem!
Eu: Vai dar tudo certo, Alfredo. Amanhã tu vai tirar a carteira. Mas não provoca a galera porque depois tu roda no teste e ....
Ele: Até tu tá torcendo contra, é? Pensei que você tivesse do meu lado, gaúcho!
Eu: Mas eu tô do teu lado, porra! Só tô dizendo que tu deveria ir lá quieto. Faz o teste, passa e esfrega a carteira na cara deles na semana que vem. Não precisa fazer alarde.
Ele (gritando): Mas amanhã não tem pra ninguém! Amanhã o teste é meu! Vou sair do Motor Vehicles (o Detran americano) com a porra da carteira!
Eu: Amanhã à noite vamos tomar uma cerveja pra comemorar.
Ele (gritando): Por minha conta!

O dia seguinte foi de grande expectativa. Logo no começo da manhã, o assunto já era o Alfredo e sua carteira. Ele havia sido liberado pela manhã para ir ao Motor Vehicles. Carregamos o caminhão e saímos para as entregas do dia. Como naqueles tempos não havia celular e os caminhões não eram equipados com rádios, só ficaria sabendo sobre o teste no final da tarde, quando eu e o motorista voltaríamos para a loja.

Chegamos depois das 18h, uma hora depois do fim do expediente. Já não havia ninguém no warehouse. Fui direto ao vestiário para pegar minhas coisas. Ainda estava curioso para saber o que tinha acontecido com o Alfredo. Quando cheguei à porta do vestiário dei de cara com o Teixeira. A costumeira cara alegre tinha dado lugar a uma expressão que misturava tristeza e incredulidade. Entrei na peça para pegar minhas coisas e vi o Alfredo cabisbaixo, fumando e arrasado.

Ele: Rodei de novo.
Eu: Ganhei uma boa gorjeta hoje, Alfredão. Vamos embora que a tua cerveja eu pago.
Teixeira: E a minha?
Eu: Quando tu rodar num exame no Motor Vehicles eu pago a tua!

Duas horas depois estávamos bem embalados com uma dúzia de cervejas. O Teixeira destilava bobagens que me faziam dar gargalhadas. E dizia que seu inglês estava melhorando. Para provar que estava indo bem no novo idioma, provocava a garçonete, puxando assuntos banais sobre marcas de cerveja e de cigarro. E se ela não queria visitar o Brasil.

Teixeira (misturando carioquês com um inglês sofrível): É tudo por minha conta! Copacabana, o Pão de Açúcar, o Cristo Redentor, o Maracanã lotado com o Flamengo fazendo 1 a 0 no Vasco no último minuto!

A menina, uma loira linda, era educada. Sorria um pouco constrangida, mas não cortava o Teixeira, que sempre pedia cerveja fazendo sinal com os dedos e dizendo “mais two, mais two”. Ela percebia nos olhos dele que estava diante de um cara simples, mas de um espírito nobre e feliz. O Alfredo contrastava com o nosso clima. Ele continuava chateado com mais um fracasso no teste para tirar a maldita carteira de habilitação.

Alfredo: E amanhã ainda vou ter que agüentar aqueles filhos das putas dizerem que eu nunca vou conseguir tirar minha carteira. Principalmente o Paul (americano e um dos executivos da empresa, que pegava muito no pé do Alfredo por causa disso).

O pior é que sempre que o Alfredão ficava triste por causa da tal habilitação, começava a falar da sua falta de sorte com as mulheres. Misturava as lamúrias e ficava inconsolável.

Alfredo: Como é que eu vou conseguir uma mulher andando de metrô, gaúcho? Como? Me diz, Teixeira!
Eu: Bem...
Teixeira: Não esquenta a cabeça, Alfredo! Troca, porra. Larga de mão o metrô. Por que você não começa a andar de ônibus?
Alfredo (rindo pela primeira vez no balcão do bar): Você também é outro filho da puta, Teixeira!
Teixeira: Mais two! Mais two!

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