segunda-feira, 24 de março de 2008

PARTE 4 - Classificados

Onde eu estava mesmo? Ah, sim, nos classificados. Juntei minhas anotações e passei a segunda e a terça-feira conhecendo um pouco de Manhattan. O frio continuava intenso, mas o sol brilhava – adoro essa sensação de muito frio com sol. De vez em quando, entre um café e outro, lembrava dos recortes e ia conferir a tal vaga. Na maioria das vezes, evitei entrar nos bares e restaurantes em busca de trabalho. Mais por insegurança, porque não sou nada tímido. Meu medo não era levar um ‘Não’. Meu medo era ouvir: ‘Ok, boy. Job is yours.’ O que eu faria se, na tentativa de pegar um emprego eu realmente conseguisse o emprego. Enquanto não dava fim ao meu pequeno dilema trabalhista, conheci o Empire State, o Madison Square Garden (ah, o Madison... Quantos jogos de basquete e shows eu viria a assistir lá... Alguns deles em ótima companhia. Outros, nem tanto). À tarde, dei as primeiras espiadas no Central Park, que está encravado na minha mente até hoje. É o melhor lugar para ficar quando se está na grande cidade sitiada por prédios.

Parece incrível, mas em 72 horas eu já caminhava por Manhattan com uma certa desenvoltura. Algo me fazia sentir bem naquelas ruas. Só uma coisa me preocupava naquele fevereiro de 86: dinheiro. Sim, as diárias do Remington consumiam um bocado das minhas economias e eu não era exatamente um cara controlado com grana no bolso. Se antes o emprego não passava de uma experiência divertida, agora já começava a se tornar uma necessidade. Na minha busca por um bico, conferi um anúncio no jornal. Era num restaurante bem freqüentado e chique de Manhattan, na Rua 72, pertinho da Broadway.

Fui recebido pelo dono do restaurante. “Hi”, eu disse. “Moring”, young man”, respondeu, já emendando se eu estava ali para ser o busboy que ele precisava. Falei que sim. Daí ele me fez a pergunta que eu mais temia: “Você é legal nos Estados Unidos”. Não menti. Lembre-se: evite mentir. Pelo menos na frente de um agente do Departamento de Imigração e de alguém que está prestes a te conseguir um emprego. Disse que não era legal, que estava em Nova York havia poucos dias, mas que meu dinheiro estava terminando e eu precisava pegar um emprego temporário apenas para recuperar minhas economias e me mandar de volta pra casa. Não tinha como ir embora do país sem dinheiro. Como num filme, ele saiu de trás do balcão, caminhou lentamente até a porta de entrada e arrancou da porta de vidro o anúncio para busboy e se virou para mim: “Estou te esperando amanhã, 9h”.

Fiquei assustado. Amanhã? Mas eu tinha planejado ir ao Chinatown, ao World Trade Center (em 1986 as Torres Gêmeas ainda estavam lá, você sabe) e dar outras das minhas voltinhas pela cidade. De qualquer maneira, disse um quase inaudível “Ok”. Antes de ir embora, percebi que acabava de chegar a um lugar diferente. Eu já estava na porta, quando o dono do restaurante me chamou.

Ele: “Onde você está hospedado?”
Eu: No Remington, na 46. Um pouco caro.
Ele: Você precisa fica em um lugar mais barato. Venha cá.

Voltei a me aproximar do balcão. Em minutos, ele ligou para o YMCA, a Associação Cristã de Moços. É uma espécie de hotel para estudantes, com preços muito mais acessíveis. No meu caso, eu passaria a pagar menos da metade do que pagava no Remington. Como se me conhecesse há tempos, ele confirmou minha reserva no YMCA. Saí do restaurante encantado com a receptividade do cara.

A partir daquele momento, meus passeios estavam cancelados. Percorri o trajeto da 72 até a 46 a pé. E rápido. Queria chegar logo ao hotel, pegar minhas coisas e tomar o rumo do YMCA. Cheguei com calor ao Remington, apesar dos 14°C negativos. Subi correndo até o meu quarto, coloquei tudo dentro da mala e da mochila e desci. As minhas diárias estavam todas pagas, mas mesmo assim fui ao balcão para me despedir dos meus primeiros anfitriões. No entanto, fui impedido de sair. Surpresos, a atendente e o segurança me perguntaram para onde eu estava indo. Disse que havia conseguido uma vaga no YMCA da 14th Street, West Side. Meus amigos do Remington não se convenceram tão facilmente. O segurança quis saber se eu já conhecia o lugar.

Ele: “É um lugar limpo? O que te pareceu as pessoas que trabalham lá?
Eu: “Não sei como é o lugar. Nunca estive lá. E também não sei como são as pessoas.
Ele: “Deixe suas malas aqui. Nós tomaremos conta delas para você. Vá ao YMCA. Caso o ambiente seja de seu agrado, volte e busque suas coisas.
Eu: “Muito obrigado. Volto em seguida”.

Confesso que nunca esperava essa seqüência de lances de solidariedade, de ajuda, protagonizados numa única manhã em plena Nova York, a metrópole preferida pelos cineastas para ser o cenário de filmes de violência e criminalidade. Além dessa cordialidade surpreendente, preciso dizer que sempre fui um cara de sorte. Muita sorte. Desde que nasci, uma estrela me acompanha. Você pode não acreditar, mas eu sei exatamente que isso ocorre comigo. Eu sei justamente o tamanho da estrela que me ilumina. Duas horas depois, eu bebericava uma Budweiser, confortavelmente instalado no YMCA. Tinha um lugar mais barato para dormir e um emprego para recuperar o investimento. Que felicidade!

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