segunda-feira, 24 de março de 2008

PARTE 3 - Conhecendo o terreno

Foi uma caminhada longa e despreocupada, apesar dos cerca de 15°C negativos. Fiquei fascinado com as ruas largas, os prédios e os detalhes da arquitetura de edifícios lindos, alguns construídos no século XIX, mas plenamente conservados, e outros modernos, misturando vidro e metal. Bateu a fome e, como não conhecia nada, preferi encarar um lanche no Burger King. Devidamente alimentado, voltei para o calor do hotel.

O frio já estava passando dos limites. Minhas botas não eram as mais apropriadas para enfrentar uma temperatura daquelas. Meus pés estavam gelados. Antes de subir para o quarto aquecido pela calefação, comprei alguns jornais. Queria ler as notícias, saber o que estava acontecendo e, de quebra, dar uma olhada nos classificados. Além de aproveitar uns dias em Nova York, poderia descolar uma vaga em algum restaurante. Seria uma ótima levantar uma grana nas férias, embora a lei americana não permita o trabalho de estrangeiros sem um visto adequado para isso.


Mas não seria eu, um cara de 20 anos recém-chegado à América, que teria poder de desestabilizar as relações diplomáticas entre Brasil e Estados Unidos por uma simples vaga em um dos milhares restaurantes nova-iorquinos. Todo mundo sabe que boa parte dos moradores da cidade trabalha de forma ilegal, exercendo atividades que os americanos não estão mais dispostos a fazer. Integram o mundo do subemprego as vagas de faxineiro, operários da construção civil (pequenas obras e reformas), carregadores, garçons, auxiliar de garçons (busboy), mensageiros, engraxates e lavador de pratos.

Aliás, aquele papo de ir para os Estados Unidos lavar pratos não passa de folclore. Pode até ter sido a porta de entrada de imigrantes brasileiros nas décadas de 60 e 70. Mas a partir dos anos 80, os mexicanos tomaram conta da função. Só eles conseguem lavar pratos em grandes restaurantes. Só eles agüentam – não sei como – as altas temperaturas das louças que saem da pré-lavagem das máquinas que agilizam a rotina frenética da cozinha. É inacreditável como suportam. O calor das porcelanas e dos metais é insuportável. Queima como se você estivesse colocando a mão dentro de uma churrasqueira. E é preciso colocar a mão no interior da máquinas dezenas de vezes por hora. Brasileiro gosta de sofrer, mas essa missão ele preferiu deixar para os irmãos mexicanos.

Num degrau mais elevado do subemprego estão os cargos de motorista de táxi, de caminhão ou de limosines, bartender de bares ou clubes, balconista (o fato de saber dois idiomas é fundamental e agrada muito os comerciantes), babysiter e por aí vai. Mas eu não queria fazer carreira no submundo da sobrevivência. Só queria me divertir. Claro que só existe divertimento quando se tem algum no bolso, mas não fui para os Estados Unidos para tirar o emprego de ninguém, juntar dinheiro e voltar rico à terra natal. Tanto não fui com este objetivo que voltei logo para o Brasil e já estive na América outras vezes. Fui novamente a Nova York em 1994 e quatro anos depois passei alguns dias em Washington e Detroit. Nunca pretendi viver para sempre o sonho americano. Só queria curtir um pouco este sonho. Não vivemos sonhos eternamente, você sabe. Sonhos são efêmeros, rápidos. Por isso são inesquecíveis.

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