segunda-feira, 24 de março de 2008

PARTE 11 - A dúvida entre ficar e partir

E assim ia minha vida em Nova York, numa rotina sossegada. Nada me faltava. Dinheiro, amigos, trabalho, mulher, divertimento. Mas volta e meia eu lembrava daquela maldita frase da cartomante. Lembrava e, imediatamente, meus pensamentos mandavam aquela mulher para bem longe. Ela e suas previsões idiotas e sem sentido. Era verão. Nova York ferve nesta época do ano. Minha casa era agradável. Tinha um pátio nos fundos, onde eu colocava as pernas para o ar e bebia cervejas geladas até o sono chegar. Meu quarto tinha ar-condicionado, mas o aparelho tinha estragado. Eu estava me amarrando para mandar consertar porque os serviços nos Estados Unidos são caríssimos. Decidi, então, que iria comprar um novo. Sairia mais barato. Mas não consegui dormir direito naquela noite.

Na manhã seguinte, liguei para Dorothy. Combinei de ir dormir na casa dela porque meu ar estava estragado e tinha passado uma noite péssima. Como sempre, cheguei à casa dela e fomos logo gastar minha gorjeta. Naquele dia havia conseguido uma boa grana com as entregas de sofá, quase 50 dólares. Fomos a uma cantina e nos deliciamos com uma massa maravilhosa. Voltamos quase desmaiados para casa. Ela mal conseguiu escovar os dentes. Despencou na cama. Eu ainda fui tomar banho – até hoje tenho a mania de tomar banho antes de dormir. Não sei se a ducha me fez despertar, só sei que não tinha jeito de dormir, mesmo com a temperatura civilizada do ar-condicionado. As sirenes das ambulâncias também não me deixavam em paz.

Levantei, acendi a luz da sala e fiquei olhando o movimento da rua pela janela. Do lado de fora do vidro, aquelas escadinhas do lado externo do prédio remeteram meus pensamentos ao quarto do Hotel Remington, quando desembarquei assustado em Nova York meses atrás. Diferentemente do meu primeiro dia na cidade dos meus sonhos, aquela noite não estava nevando. Ao contrário. Fazia calor. Ali, na sala da Dorothy, um novo filme passou pela minha cabeça.

O restaurante, os meus amigos do Remington, o YMCA, a loja de móveis, o warehouse, o Alfredo, o Teixeira, o caminhão, o Sérgio, a brasileira gostosa que fingiu ser americana, as gargalhadas que dei com meus amigos, as gorjetas, as mulheres que conheci em Nova York, as mulheres que adoraria ter conhecido e não as conheci, as noites nos bares, os shows que vi, minha casa em Bay Ridge, as viagens pelas estradas do Estado e Dorothy. Quanta coisa vivi para estar ali naquela sala, sem sono, espiando a rua enquanto minha namorada dormia tranqüilamente na peça ao lado. Chorei pela segunda vez nos Estados Unidos. Não chorei de tristeza nem de alegria. Chorei porque percebi que meu sonho de viver para sempre por lá corria o risco de virar realidade. Chorei porque naquele instante percebi que por mais que quisesse ficar, alguma coisa me puxava de volta para Porto Alegre. Havia chegado a hora de decidir: ficar ou partir? Dias depois, concluí que havia chegado a hora de me mandar.

* Estive outras vezes em Nova York nesses 20 anos. Mas não tive coragem de visitar a casa em que vivi, em Bay Ridge, e nunca mais falei com Dorothy, com o Alfredo ou o Teixeira. Converso seguidamente por email com Sérgio, que no verão de 2009 ficou uns dias na minha casa. Estou devendo uma visita a ele em Chicago. Qualquer dia desse, Sérgio. Qualquer dia desses.

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