segunda-feira, 24 de março de 2008

Parte 5 - Hora de trabalhar

Meu primeiro dia de trabalho foi como o primeiro dia de trabalho de todo mundo, em qualquer lugar do mundo. Com um detalhe: eu não tinha a mínima idéia do que deveria fazer no restaurante. A função de busboy era uma incógnita. Não havia aprendido nos cursos de inglês nem nas músicas que traduzia o que significava busboy. Eu nunca tinha ouvido falar do menino-ônibus. Na chegada, o chefe dos garçons me apresentou para os colegas e pra galera da cozinha. E fez as recomendações fundamentais para o bom andamento do trabalho.

Ele: A sua função aqui é retirar das mesas as louças e copos sujos depois que os clientes fizerem as refeições, colocar tudo na bandeja e levar para a cozinha.
Eu: Só isso?
Ele: Não. Depois de deixar tudo na cozinha, volte para a mesa e pergunte quem quer american coffee?
Eu: Por que tenho que dizer american coffee e não apenas coffee?
Ele: Porque você está nos Estados Unidos, respondeu meu chefe, seco.
Eu: Ok.
Ele: Fale o mínimo possível com os clientes até que o seu inglês esteja melhor.
Eu: Certo. Farei isso.
Ele: Outra coisa: Quando clientes novos chegam, você precisa servir água para todos os que estiverem na mesa.
Eu: Não preciso falar com eles neste caso?
Ele: Não. Sirva os cálices de água a todos. Em algum momento, todos irão beber.
Eu: Ok.

O restaurante funcionava 24 horas por dia e servia do café da manhã à lagosta. No começo, claro, me atrapalhei. Garçons e busboys atuavam em determinadas áreas. Ou seja, o salão era fatiado em quatro partes. Um sinal com a cabeça foi a senha para eu levar água a um casal que acabara de ser recebido pelo garçon. Peguei a jarra e fui. Servi os dois cálices e saí. Enquanto fazia meu trajeto de volta, o garçon fez um novo sinal. Percebi que tinha feito algo de errado. Olhei para trás e vi o casal imóvel, olhando para a mesa. Voltei, pedi desculpas e retirei a enorme jarra que atrapalhava a troca de olhares entre os pombinhos.

Aos poucos, fui me acostumando com a rotina do restaurante e gostando do que fazia. Com o inglês fluente, acabei me transformando em um garçon falante, muito educado e cheio de entusiasmo. Fiz amizades com americanos e, especialmente, com americanas. Volta e meia lembro de Dorothy. Era uma típica nova-iorquina: ruiva, de olhos verdes, inteligente, alegre e que falava muito alto. Quase gritava. Mas o seu estilo frenético me ajudou a deixar Porto Alegre bem mais para trás.

Já não ligava mais para o Brasil pra dizer que eu estava com saudade nem que estava louco para voltar. As ligações para os meus pais eram menos freqüentes, mas entusiasmadas com a vida que levava em Nova York, apesar de reclamar muito do volume de trabalho. O YMCA também havia ficado para trás. Depois de um tempo carregando bandejas, fiz algumas amizades legais. Daí a encontrar um canto na casa de alguém não demorou muito. Dormia na sala de um apartamento em Bay Ridge, no Brooklyn. Um lugar lindo, que nada tem a ver com a fama do Brooklyn no Brasil. Brooklyn é praticamente uma cidade, de tão grande. Há áreas sinistras – na sua cidade não tem nenhuma área sinistra? –, mas em geral é um distrito absolutamente agradável, onde as pessoas se cumprimentam quando se cruzam pelas ruas, na padaria ou nos bares irlandeses espalhados pelo bairro.

Pelo menos era assim antes de 11 de setembro de 2001. Ainda passei por um studio na 8ª Street, em Manhattan, mas acabei voltando ao Brooklyn, onde aluguei o andar térreo de uma casa muito simpática na Senator Street. Adorava a casa, a vizinhança, a segurança e meus vizinhos irlandeses que moravam no andar de cima. Eram festeiros, bebiam mais que o quarteirão inteiro, sempre ao som de Rod Steward, e causavam problemas ao proprietário porque resistiam em pagar o aluguel.

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