segunda-feira, 24 de março de 2008

PARTE 2 - Enfim, Nova York

Aquele domingo amanheceu cinzento em Miami.. Estava frio, mas nada que pudesse assustar alguém acostumado com os dias de inverno do Rio Grande do Sul. Percebi que estava bem menos ansioso do que no dia anterior. Até porque em Nova York eu não teria de passar novamente pelo estresse de encarar o Departamento de Imigração e sua fila de apavorados. A viagem foi tranqüila até o Aeroporto La Guardia, exclusivo para vôos domésticos. Ao sair da área de desembarque e colocar pela primeira vez meus pés na cidade que agitou meus pensamentos durante meses, respirei fundo.

Caminhando na contramão de dezenas de caras oferecendo táxi, registrei as duas primeiras impressões do lugar ao chegar à calçada. Impressão número um: ao contrário de Miami, Nova York estava gelada. Nevava muito. Impressão número dois: o cheiro. Juro. Tenho entranhado em algum lugar do meu cérebro o cheiro da cidade. Algo que mistura odor de catalizador de carro, vento frio e aroma de café. Pode parecer uma descrição nojenta, mas acho o cheiro de Nova York irresistível, atraente.


Entrei num yellow cab – procure pegar sempre um táxi amarelo. É mais seguro e tem preços, digamos, honestos – em direção ao Hotel Remington, na Rua 46, no coração de Manhattan e um tradicional reduto de brasileiros. Quem me deu a dica do hotel foi o meu pai. Não dei uma palavra com o motorista, que parecia um jogador do New York Knicks. Entre um e outro gole de chocolate quente ele me fez duas ou três perguntas. Eu só disse ‘yes’ e ‘no’. Conheço as minhas reações. Quando fico muito quieto, tem coisa. Senti que começava a ficar com medo da cidade. O carro avançava rumo à Manhattan, e eu tentava acompanhar com os olhos os prédios altos, as praças e ruas desertas, típicas de um domingo nevado.

O táxi parou na frente do Remington. Foi quando protagonizei o primeiro lance bisonho em terras norte-americanas. Paguei a corrida, recebi o troco e fiquei aguardando o jogador de basquete descer para abrir o porta-malas e tirar minha bagagem. Mas ele ficou imóvel, só me olhava pelo retrovisor. E eu de olho nele, também pelo espelho interno. Tinha receio de descer do carro para pegar minha mala e, neste meio tempo, ver o carro arrancar com todas as minhas roupas. Imagine ficar sem cueca, meia, calça, casaco, blusão, camiseta e botas no primeiro dia em uma Nova York congelada pela neve. Decidi que daquele banco eu não sairia. Mas o motorista perdeu a paciência comigo:

Ele: “Por que você não pega sua bagagem?”
Eu: “Por que você não abre o porta-malas?”
Ele: “O porta-malas já está aberto, senhor.”

Constrangido, olhei para trás e vi o capô traseiro escancarado. Até aquele dia do ano de 1986, nunca tinha visto um carro que o porta-malas poderia ser aberto a partir de um botãozinho interno. Pedi desculpas e desembarquei. Por via das dúvidas, agi rápido. Evitei perder o contato com a lataria do carro e, antes de fechar a porta, peguei a bagagem rapidinho.

Entrei no hotel. Perguntei se tinha vaga. Tinha. Disse que queria um quarto por alguns dias. Fui aceito depois de pagar antecipadamente duas diárias de US$ 60 cada. Subi acompanhado do segurança do hotel, que também parecia um jogador de basquete. Enquanto levava minha mala, ele disse ser um apaixonado pelas coisas do Brasil, como o carnaval, o Rio, aquelas coisas que sempre falam do país. Agradeci e entrei no apartamento confortável. Sentei na cama por alguns instantes. Ao lado da cabeceira havia uma pequena janela vertical – daquelas que têm escadinhas do lado de fora do prédio. Isso mesmo, aqueles prédios que a gente costume ver nos filmes. Arrastei a cortina. Deixei a janela livre para ver a neve cair devagar.

Olhando fixamente para a rua até não perceber mais o que estava vendo, o curta-metragem da minha vida passou pela cabeça. Lembrei de coisas e pessoas importantes e irrelevantes. Recordei fatos engraçados e tristes. Vi com perfeição os rostos da minha mãe, do meu pai e dos meus irmãos. De tias, tios e primos. Enxerguei meus avós, meus amigos e os olhos negros da namorada que havia deixado horas antes no saguão do aeroporto de Porto Alegre e com quem jamais voltaria a ter um relacionamento como antes.

Recuperei o visual da janela e da neve, que continuava flutuando pelo ar. Pensei o que todas aquelas pessoas que eu amava estariam fazendo naquele momento em que eu estava só, absolutamente só, num quarto de hotel na maior cidade do planeta. Joguei as costas para trás, encostei a cabeça no travesseiro e não segurei o choro. Chorei de soluçar. Acho que nunca mais chorei daquele jeito. Aos poucos, fui me acalmando até perceber que já havia chorado demais. Então, decidi que eu estava onde muita gente queria estar. Eu me dei conta que precisava cair na real e me reerguer da saudade que me pegou de surpresa olhando a neve cair. Levantei, tomei um banho, coloquei uma roupa quente e encarei a neve nas ruas. Naquele momento começava a grande aventura da minha vida.

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